segunda-feira, 14 de março de 2011

CONDUTOR DE VEÍCULO DE EMERGÊNCIA OU MOTORISTA PARTICULAR?



 Vamos pensar um pouco...


Em seu último Edital voltado à realização de concurso público para o cargo de soldado da Polícia Militar do Estado de Sergipe, ao contrário do que faz algumas co-irmãs, como a PMMG em seu Curso Técnico de Segurança Pública, não apresentou uma “Descrição sumária das atribuições de soldado” da Polícia Militar, limitando-se apenas a publicar informações acerca do transcorrer do Curso de Formação daquele ano, sendo que, no tocante à função propriamente dita do cargo soldado ser vislumbrado no trecho do item 15.8 do edital:

15.8. Ao terminar o Curso de Formação de Soldados PM/2005, com aproveitamento, o aluno CFSd será efetivado no cargo de Soldado da Polícia Militar do Estado de Sergipe, com os direitos e obrigações inerentes ao cargo, conforme dispõe o Estatuto do Pessoal da Polícia Militar.
Esclarecedor não? Para aprofundar ainda mais a Lei nº  Lei 2.066/76 que rege o Estatuto da PMSE, estabelece em linhas gerais a função do cargo Policial Militar:


Art. 19. Cargo policial militar é aquele que só pode ser exercido por policial militar em serviço ativo.

§ 1º. O cargo policial militar a que se refere este artigo é o que se encontra especificado nos Quadros de Organizações ou previsto, caracterizado ou definido como tal em outras disposições legais.
§ 2º. A cada cargo policial militar corresponde um conjunto de atribuições, deveres e responsabilidade que se constituem em obrigações do respectivo titular.
§ 3º. As obrigações inerentes ao cargo policial militar devem ser compatíveis com o correspondente grau hierárquico e definidas em legislação ou regulamentação específicas.
Art. 22. Função policial militar é o exercício das obrigações inerentes ao cargo policial militar.

Abaixo vem uma das minhas partes preferidas, criada para legitimar ordens e funções que surgirem de acordo com a mente criativa dos gestores da Polícia Militar do Estado de Sergipe: “obrigações que, pela generalidade... Etc”

Art. 25. As obrigações que, pela generalidade, peculiaridade, duração, vulto ou natureza não são catalogados como posições tituladas em Quadro de Organização ou dispositivo legal; são cumpridas como "Encargo" "Incumbência", “Comissão", "Serviço" ou "Atividade", policial militar ou de natureza policial militar.
Parágrafo único. Aplica-se, no que couber, ao Encargo, Incumbência, Comissão, Serviço ou Atividade policial militar ou de natureza policial militar, o disposto neste Capítulo para Cargo Policial militar.

Ficou mais claro qual é a função do soldado da Polícia Militar? Se não ficou até agora lá vai: o artigo 37 do mesmo Estatuto informa:

Art. 37. Os cabos e soldados são, essencialmente, os elementos de execução.

E aí cabe uma pergunta que não quer calar: Que tipo de execução? Será que entre as generalidades previstas no artigo 25 da Lei 2066/76 está a função de Chofer ou Motorista Particular? Ou seja, buscar o oficial em casa, levar para o local do trabalho, dar carona a parentes do oficial, ficar à disposição 24 horas por dia?

Não tenho a menor dúvida que algum cara de pau vai dizer que sim. E certamente vai querer se fundamentar no Decreto nº 23.166 de 28 de Março de 2005:


Art. 1º. O § 4º do art. 1º do Decreto nº 22.480, de 1º de dezembro de 2003, que dispõe sobre condições de percepção e de cálculo da Gratificação Especial de Atividade Policial-Militar, de que trata a Lei nº 5.052, de 30 de outubro de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação:

. O servidor policial militar, a que se refere o “caput” deste artigo, das graduações de Soldado PM ou Cabo PM, que estiver, e somente enquanto permanecer, em efetivo exercício das atribuições de motorista ou motociclista de veículos, que funcionam como viaturas da Polícia Militar de Sergipe, devidamente designado através de Portaria do Comandante Geral da mesma Polícia Militar, deve ter a sua Gratificação Especial de Atividade Policial Militar, de que trata o § 2º deste artigo acrescida de uma parcela equivalente ao valor resultante da aplicação de determinado índice sobre o soldo da respectiva graduação, da correspondente Tabela de Soldo da Polícia Militar do Estado, que legalmente estiver em vigor, parcela essa calculada na forma do quadro a seguir, ficando a percepção dessa parcela limitada mensalmente ao número máximo de trezentos (300) policiais militares, ficando vedado, nesse caso, o recebimento das parcelas de gratificação que dispõe os §§ 3º e 4º e 5º também neste artigo:

Por que digo que seria cara-de-pau justificar a função de motorista que soldado normalmente exerce por esse artigo? Simples: Primeiro, se por um lado ele prevê a função de motorista, o faz através da previsão de uma Portaria do Comandante explicitando a função. Segundo, o decreto prevê o pagamento de gratificação a quem exerce a função de motorista... Motorista de guarnição ou Condutor de Veículo de Emergência, em nenhuma hipótese se fala em chofer ou motorista particular de oficial. Terceira a função de Condutor de Veículo de Emergência, conforme o BGO 43 deste ano tem como objetivo:

a) Geral: Habilitar os Discentes da Instrução de Condução de veículos de emergência conhecimentos necessários para a utilização desse tipo de veículo na PMSE;

b) Específico: Preencher a lacuna no processo de treinamento na condução de veículos de emergência, qualificar e capacitar os discentes, no tocante ao manejo, na condução desses veículos, proporcionando um serviço de qualidade na condução desses veículos, logo na manutenção da segurança pública à população.
Ainda na apresentação vislumbramos que o Curso de Condutor de Veículos de Emergência tem como “finalidade de capacitar Policiais Militares para que possam atuar nas ocorrências do dia a dia, e com segurança e destreza na condução dos veículos oficiais, quando legitimamente necessário, na intervenção a uma ocorrência, atualizando conhecimentos em face da evolução das técnicas, viabilizando a eficiência da promoção de proteção da Comunidade na execução do trabalho valoroso de manutenção da segurança pública utilizando com pujança todo os veículos existentes na PMSE.

Será que o Curso de Condutor de Veículo de Emergência, fundamentado na exigências previstas na Resolução nº 168, de 14 de Dezembro de 2004 prevê o uso de viatura policial para buscar o oficial em casa, levar ao trabalho, dar carona a parentes, etc.? Não, com certeza não.

Mas nem tudo está perdido! Há uma previsão legal para o trabalho do soldado que for buscar o oficial em casa, levar ao trabalho, dar carona a parentes, etc. Existe e está positivada na Lei trabalhista, numa jurisprudência pacífica, a exemplo do parecer do Em. Juiz Maurício Godinho Delgado, em seu livro "Introdução ao Direito do Trabalho" (1a ed. S.P.: LTr, 1995, pp. 310-311), tece os seguintes comentários sobre o tema em questão:

Em face do tipo de serviço ser irrelevante à caracterização do empregado doméstico, poderão se enquadrar no tipo legal da Lei n. 5.859/72 distintos trabalhadores especializados: motoristas particulares, professores (ou preceptores) particulares, secretárias particulares, enfermeiras particulares e outros trabalhadores, desde que, insista-se, estejam presentes, na situação sócio-jurídica examinada, todos os elementos fático-jurídicos gerais e especiais da relação de emprego da Lei n. 5.859/72".

“Se o motorista particular cumpre apenas com as tarefas domésticas, no seio da família, levando as crianças na escola, os patrões no trabalho, etc.. deve ser registrado como empregado doméstico.”

Ademais, não nos esqueçamos de que de acordo com o artigo 312 do nosso Código Penal e 303 do Código Penal Militar, pratica PECULATO:

Art. 312 do CP - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.


Art. 303 do CPM - Apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse ou detenção, em razão do cargo ou comissão, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio:


Pena - reclusão, de três a quinze anos.


Claro que algum cara-de-pau pode alegar que mesmo sendo minoria, há uma corrente que afirma “É só ilícito administrativo, e não peculato, o uso de veículos ou máquinas oficiais em serviços particulares, ainda que haja consumo de combustível” (TJSP, RT 541/342). Contudo, mesmo enxergando tal conduta sob esse prisma ainda configura desrespeito a regra, medida geral de ordem administrativa conforme item 82 do Anexo II do Decreto 4.346, de 26/08/2002 (Relação de Transgressões Militares) e principalmente, para não ferir o CPM – Código Penal Militar em seu artigo 324 sobre ato relacionado à inobservância da lei.



Sendo assim, até que o Governo do Estado de Sergipe, a exemplo do SEAD que tem um quadro de motoristas ou O Tribunal Regional Federal que recentemente lançou edital de concurso público para o quadro de motorista, e, diga-se de passagem, com vencimentos em torno de R$ 3900,00... A função de buscar oficial em casa, levar para o trabalho, dar carona aos parentes, etc. Não está legitimada.

Para legalizar tamanha imoralidade só há uma alternativa: Além do Curso de Condutor de Veículos de Emergência criar o cargo “Soldado Doméstico” preparado único e exclusivamente para ser chofer do superior hierárquico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário